Sobre a Rebeldia

Jovem com as mãos na cara por detrás de uma jarra com um girassol

Durante muitos anos, ou melhor…desde que me recordo de mim, que acordava com um sentimento de culpa muito pesado que me invadia.

E sem que eu pudesse identificar de onde e porquê a tinha, essa culpa estava muito presente. 

Eu sentia, ou melhor “sabia”, que algo de muito mau deveria ter feito para sentir uma culpa tão grande, mas não conseguia identificar o que era.

Todos erramos muitas vezes e podemos sentir-nos culpados, mas esta culpa era diferente, eu sentia-a muito profunda.

Entretanto eu estava a estudar acerca da multiplicidade do ego (também lhe podemos chamar “eu”) em Pneuma e ia compreendendo como expressamos tantos aspectos nossos tão distintos que acabamos por sermos várias pessoas. 

Por exemplo ao longo do dia se falarmos com o nosso chefe, o nosso Pai, uma amiga próxima, ou um colega de trabalho, o mais certo é utilizarmos diferentes vozes, que estão associadas a diferentes emoções e pensamentos, diferentes “eus”, um para cada pessoa.

Quem é que já não experimentou isto?

A questão é que o fazemos de uma maneira tão mecânica que não nos damos conta, mas acabamos por sermos muitos dentro de nós (pode saber mais sobre a multiplicidade do ego aqui).

De qualquer maneira eu tinha decidido acabar com a culpa. Já não queria sentir aquela emoção pesada que me tirava a motivação e a alegria.

Tinha iniciado a “caça” ao eu da culpa.

Mas final de 2 anos fui surpreendida… a certa altura dei-me conta nas minhas meditações, de que, cada vez que procurava indagar acerca da culpa, outros pensamentos surgiam e me desviavam do meu propósito.

Eu queria estudar, analisar e compreendê-la bem a culpa, para a poder eliminar, mas não estava a conseguir. 

Estava a ser intencionalmente distraída do meu propósito inicial.

O “eu” da culpa, esse aspecto negativo com que eu me identificava, colocava outros eus à minha frente para eu os “analisar” e me distrair. O ego da culpa mantinha-se assim oculto e “vivo” na minha mente. Esta culpa roubava-me energia e tirava-me a motivação e esperança.

Há que confiar na sábia voz do coração.

Mas a minha consciência mostrou-me esta estratégia do eu da culpa e comecei a estudá-la também.  Procurava como operava, a sua causa, e a que outros eus se associava.

Passei mais alguns anos a trabalhar sobre a culpa mas não conseguia encontrar o porquê, o que de tão mal teria eu feito para ter tal sentimento.

O sentimento tinha diminuído mas não tinha ainda desaparecido.

Um dia, enquanto trocava ideias com uma amiga acerca deste processo, e partilhava com ela que não conseguia encontrar-lhe o motivo, ela disse-me: “Claro Margarida, a culpa é um ego, um aspecto negativo egóico,…não tem que ter uma razão para existir!.”

Aquilo foi como um balde de água fria! Eu procurava algo de muito mau que tivesse feito para sentir aquilo…e nada. Algo resignada, mas não completamente, ouvi o que ela me disse, mas não fiquei totalmente convencida, porque a culpa fazia-me sentir culpada “de algo”.

Qual o problema? A identificação com a emoção negativa.

O tempo passou, e entre outros defeitos psicológicos, ou eus que ia trabalhando interiormente, o sentimento de culpa foi diminuindo e praticamente já não a sentia, ou não me dava conta dela.

Mas, algures durante esses anos tive uma experiência interna durante uma meditação que causou um grande impacto em mim:

Eu chegava à porta do meu coração e ao preparar-me para entrar surge esta personagem monstruosa e aterradora, acusadora e recriminatória que me diz: “Traíste o teu Pai, por isso não mereces entrar na Sua casa!!“. 

Referia-se à casa do meu Ser, o meu Coração, a minha Consciência. Senti-me miserável e cheia de culpa por O ter traído dava meia volta e ia-me embora.

Mais surpreendente ainda foi ver como ao dar meia volta e virar as costas à porta do meu coração, eu estava novamente a trair-Lo.

E vinha novamente a mesma personagem perversa dizendo-me o mesmo. Era um circuito fechado do qual eu não podia sair. Sentia-me presa, encurralada e sem nenhuma outra opção.

Olho para trás agora e entendo o que se quer dizer quando se diz que sofremos porque “damos ouvidos ao ego e não a Deus, à Consciência”.

O mais incrível é que essa experiência foi há tantos anos e ainda hoje me faz sentido. Foi uma experiência arquetípica, só hoje a posso entender assim.

Por exemplo…

No dia a dia estamos embrenhados nos nossos pensamentos, na nossa mente.

Se procuramos ir ao coração, fazer o que o coração diz, a nossa mente interfere, ou melhor, o ego na nossa mente interfere, e impede-nos de ir mais além.

Colocamos a razão, a lógica, usamos muitas justificações e raciocínios desnecessários que nos impedem de receber inspiração, orientação adequada e conveniente para esse momento desde a nossa consciência.

E sem nos darmos conta forma-se um sentimento de culpa de sermos rebeldes, de termos escutado o ego e não a voz do coração, a intuição.

Esta culpa surge inicialmente de uma ética, porque na realidade sabemos que deveríamos estar a ouvir a sábia voz do coração.

Mas o medo de falhar, a necessidade do controlar as situações, etc., impede-nos de seguir essa voz interior, a nossa sabedoria interna, e essa ética transforma-se em culpa.

Esta culpa aporta-nos um sentimento de vergonha e acaba por nos fazer sentir que não somos merecedores.

Paralelamente a isso, o ego (a mente) interpõe-se entre nós e o coração, coloca-se “no lugar de Deus”, fala com uma voz de aparente autoridade, como sendo dona da “verdade” (reconhecem isto? quando pensamos mal de nós próprios? quando nos denegrimos?…isto passa-se na nossa mente).

Esta voz provoca uma distorção nas nossas percepções e acabamos por identificar essa voz como sendo a de Deus, a de uma autoridade interna, de um juiz que sabe tudo.

E é assim que ganhamos a ideia de que Deus é “alguém” autoritário e castigador …e claro, rebelamo-nos contra Ele…erradamente, porque esse ele não é Deus.

A palavra Deus pode causar sentimentos de rejeição. É quase natural porque tantas religiões associaram esse nome a guerras santas, a segregações, a medos.

Tento sempre ir mais além disso e  penso em Deus como consciência ou como amor ou simplesmente como sabedoria interior.

Todos erramos, e muitas vezes. Podemos sentir-nos culpados, mas esta culpa era diferente, 

Descobri como a preocupação, o medo de falhar, ou o medo de que as coisas corram mal, levam a que o ego do controlo queira tomar conta da situação para garantir que não há falhas.

Ele toma as rédeas do território da Psique (dos pensamentos, das emoções e das acções), e não abre espaço a que Deus, o Amor, ou a nossa Sabedoria Interior possa intervir.

Dá-nos uma falsa sensação de controlo, mas ela é ridiculamente ilusória porque não é possível controlar nada na vida a não ser as nossas emoções e os nossos pensamentos.

E para isso é necessário aprender a fazê-lo e praticar muito.

Mas é importante dar-mo-nos conta de que este controlo impede a participação de Deus, da abundância, da alegria, do amor, da colaboração de outros, de receber…de nos entregarmos ao desconhecido e permitir que coisas extraordinárias aconteçam.

O ego impede-nos de aumentar a nossa sabedoria interna, de permitir que Ela guie a nossa vida e de podermos receber tudo aquilo que merecemos.

O facto de nos sentirmos culpados, faz-nos pensar que não somos merecedores e que por isso temos que tratar de conseguir por nós próprios, sozinhos, tudo o que necessitamos…ou seja…temos que controlar as situações.

Todo este mecanismo, esta resistência, culpa, controlo, não merecimento, etc. faz parte de algo maior a que chamamos rebeldia.

Somos rebeldes porque não aceitamos a ajuda a nossa Intuição, da nossa sabedoria interna, da consciência que existe no nosso coração.

Mas como diz o meu mentor: ”Há que confiar na sábia voz do Coração.”

Mas, para isso, é preciso aprender a escutá-la, são necessárias a fé, a confiança e a entrega.

A boa notícia é que todos as temos dentro de nós, simplesmente podemos ter um pouco de dificuldade em as encontrar, mas…como também diz o meu mentor Juan Ruiz Naupari:

“ O difícil é descobrir que é fácil!”.